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Pioderma gangrenoso em lactente – Relato de caso (Pyoderma gangrenosum in an infant: Case report)

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Pioderma gangrenoso em lactente – Relato de caso (Pyoderma gangrenosum in an infant: Case report)
Camila Colombari Medeiros, Milena Lacerda Colombari, Priscila Wolf Nassif, Ana Cristina Gurgel, Aissar Eduardo Nassif
Dermatology Online Journal 18 (7): 6

Faculty Uningá- Maringá (PR), Brazil

Abstract

Pyoderma gangrenosum (PG) is a rare neutrophilic dermatosis of unknown etiology, characterized by ulcers, especially on the lower limbs. There have only been 13 cases of PG in infants (<12 months old) reported in the past 25 years. We report the case of a 9-month-old child with ulcers on the right leg diagnosed as pyoderma gangrenosum. Tissue cultures for bacteria, mycobacteria, and fungus were negative. The child was treated with prednisone 1 mg/Kg/day for 30 days, with complete healing of the lesions during this period. No underlying diseases have been identified in the last two years, but the child is still being followed.



Resumo

O pioderma gangrenoso (PG) é uma dermatose neutrofílica rara, de etiologia desconhecida, caracterizada por úlceras especialmente na parte inferior dos membros. Há apenas 13 casos de PG em crianças (<12 meses de idade) descritos na literatura nos últimos 25 anos. Relata-se um caso de um lactente de 9 meses de idade, com úlceras na perna direita diagnosticada como pioderma gangrenoso. Culturas de tecido para bactérias, micobactérias e fungos foram negativas. O tratamento foi realizado com prednisona 1 mg/Kg/dia por 30 dias, com cura completa das lesões neste período. Nenhuma doença subjacente foi identificada nos dois últimos anos, mas a criança ainda está sendo acompanhada.


Introdução

Em 1908 Louis Brocq descreveu uma série de pacientes com lesões cutâneas que seriam denominadas, posteriormente, por Brusting, em 1930, de pioderma gangrenoso (PG) [1]. O PG é uma doença ulcerativa dolorosa, de etiologia incerta [2], que cursa com exacerbações e remissões [3]. Pertence à classe das dermatoses neutrofílicas, que é um grupo de doenças caracterizadas pela invasão da derme por neutrófilos em um processo reativo, sem a presença de infecção [4]. A lesão típica do PG começa classicamente como uma pústula estéril com centro necrótico cercada por tecido de coloração vermelho-azulada, a qual se transforma rapidamente em uma úlcera de crescimento acelerado [5]. Os locais freqüentemente acometidos são as extremidades, principalmente os membros inferiores, porém pode envolver cabeça, face, membros superiores, tronco, regiões periocular e periorificiais [4].

O pico de incidência está entre 20 e 50 anos, sendo as mulheres as mais afetadas. Os casos em crianças e adolescentes atingem 4% do total, e a incidência geral está estimada entre 3 a 10 casos/milhão de habitantes/ano [2].

Desde sua descoberta até os dias atuais, ainda não há tratamento específico e uniformemente eficaz para a doença [6].

Neste relato, é descrito um caso de PG em lactente de 9 meses de idade, em que falharam as primeiras tentativas terapêuticas. Discute-se a dificuldade diagnóstica e a boa resposta ao uso de corticosteroide sistêmico.


Relato de caso

J.V.V.F, do sexo masculino, 9 meses, apresentava há 2 semanas duas lesões semelhantes a “picada de inseto” em membro inferior direito, que evoluíram para úlceras. Nascido a termo, parto cesárea, mãe relatava pré-natal completo.

Avaliado e tratado com antibióticos tópicos, Sulfametoxazol-Trimetropim oral e Oxacilina endovenosa, ambos sem melhora clínica.

Ao exame dermatológico apresentava duas úlceras, com bordos elevados e eritematosos, centros fibrino-granulosos, medindo aproximadamente 3 centímetros de diâmetro, localizadas em coxa e perna direitas (Figura 1).


Figure 1Figure 2
Figura 1. Lesões ulceradas com centros fibrino-granulares.
Figure 1. Ulcerated lesions with fibrin-granular centers.

Figura 2. Melhora das úlceras após 20 dias de tratamento.
Figure 2. Improvement of the ulcers after 20 days of treatment.

As principais hipóteses diagnósticas foram ectima, leishmaniose, LUES, micobacteriose atípica, vasculite, paracoccidioidomicose, tuberculose cutânea, esporotricose e pioderma gangrenoso. Foram realizados: hemograma, VDRL, FTAabs, ANCA (anticorpo anticitoplasma de neutrófilo) -p e ANCA-c, fator reumatóide (látex), FAN (fator antinúcleo), sorologia para HIV, reação de Montenegro e imunofluorescência indireta para leishmaniose, além de biópsia da úlcera com envio de material para cultura de fungos, bactérias e micobactérias. O hemograma e os demais exames apresentaram-se sem alterações, e as culturas resultaram negativas.

No exame anatomopatológico obervou-se lesão ulcerada profunda recoberta por crosta fibrino-necro-leucocitária, hiperplasia pseudoepiteliomatosa da epiderme adjacente, com espongiose; vasculite linfocítica de vaso de médio calibre na transição dermo-epidérmica (Figura 2) com hiperplasia fibro-intimal, e derme profunda e hipoderme com infiltrado misto linfohistioplasmocitário com esparsos polimorfonucleares difusos na derme e septo lobular (Figura 3). A pesquisa para leishmania, BAAR e fungos no histopatológico foram negativas.


Figure 3Figure 4
Figura 3. Derme profunda e hipoderme com infiltrado misto linfohistioplasmocitário com esparsos polimorfonucleares difusos na derme e septo lobular.
Figure 3. Deep dermis and hypodermis with lymphohistioplasmocytic infiltrate with scattered polymorphonuclear cells in the dermis and lobular septum.

Figura 4. Vasculite linfocítica de vaso de médio calibre na transição dermo-epidérmica, com hiperplasia fibro-intimal.
Figure 4. Lymphocytic vasculitis of medium-sized vessel in the dermo-epidermal transition and fibro-intimal hyperplasia.

Com base na história clínica, na morfologia da lesão, no exame histopatológico e pela exclusão de agentes infecciosos, confirmou-se o diagnóstico de pioderma gangrenoso. Foi iniciado tratamento com prednisolona 1 mg/kg/dia e após 20 dias já foi observada redução do tamanho das úlceras (Figura 4). A prednisolona foi reduzida gradativamente durante o período de 1 mês com resolução completa das lesões. O paciente foi encaminhado ao gastroenterologista e hematologista e excluiu-se doenças associadas. Encontra-se atualmente em bom estado, sem recidiva das lesões, mas permanece em acompanhamento pela pediatria.


Discussão

O pioderma gangrenoso em crianças é raro. Em estudo realizado com 46 pacientes com PG, apenas 4 eram menores de 1 ano de idade [7]. A etiologia é desconhecida, mas acredita-se que possa ser imunomediada [8]. São descritas alterações na quimiotaxia e hiper-reatividade de neutrófilos, além de superexpressão de citocinas como a interleucina-8 [9].

O PG costuma ter curso crônico, apresentando recorrências frequentes[10], contrariando o caso relatado, em que o paciente apresentou apenas um episódio sem recidivas. A distribuição das lesões em crianças é semelhante à dos adultos, geralmente atingindo extremidades inferiores. Porém, em lactentes, o acometimento de couro cabeludo, face, regiões genital e perianal são mais frequentes [7].

Em crianças susceptíveis, o traumatismo mínimo pode provocar lesões de PG, fenômeno denominado “patergia” [11]. A lesão inicial pode ser uma pústula, uma pápula, um nódulo ou uma placa. Em pouco tempo, surge a úlcera, com expansão centrífuga e um centro necrótico, com sangue, pus e tecido de granulação. A borda da úlcera é característica: elevada, de cor vermelha escura ou purpúrica, sendo a borda escavada e a pique. A pele próxima da borda é eritematosa e pode exibir pústulas [2, 3, 5].

Existem quatro formas clínicas do PG (Tabela 1): ulcerativa, bolhosa, pustular e vegetante (ou pioderma granulomatoso superficial - PGS). A forma ulcerativa é a mais freqüente e corresponde ao quadro clássico,como observado no lactente em nosso caso. Já o PGS é considerado a forma mais benigna e incomum [12], com progressão lenta e que geralmente responde a terapia tópica ou intralesional [13].

O PG pode estar associado a doenças sistêmicas, embora 50% dos casos surjam isoladamente. A colite ulcerativa e a doença de Crohn são encontradas em aproximadamente 10-15% dos casos [7]. Hepatite C, artrite reumatóide soronegativa, espondilite, e um amplo espectro de distúrbios linfoproliferativos, incluindo gamopatias monoclonais, leucemia, linfoma e síndrome mielodisplásica, têm sido descritas em associação com PG [2]. A artrite é considerada por muitos pesquisadores a mais frequente entre os pacientes adultos, contudo, em crianças, observa-se a retocolite ulcerativa seguida por leucemia e doença de Crohn [7]. No caso relatado, o paciente permanece em acompanhamento com a pediatria, mas até o momento não apresentou sinais de doenças sistêmicas.

O diagnóstico do PG é baseado na história clínica, na morfologia da lesão, no exame histopatológico e na exclusão de outras doenças que causem ulceração cutânea [7, 11]. A histologia não é diagnóstica, mas sugestiva quando se observa infiltração neutrofílica, focos hemorrágicos e necrose fibrinóide. Dependendo do estágio da lesão, pode-se encontrar desde quadros inespecíficos até infiltrado linfocítico com vasculite necrotizante [14].

O anticorpo anticitoplasma de neutrófilos (ANCA) também deve ser solicitado em pacientes com PG, pois nas dermatoses neutrofílicas tem sido relatado como um possível marcador sorológico de retocolite ulcerativa inespecífica (RCUI) [15, 16].

O tratamento do pioderma gangrenoso é controverso. Há poucos estudos controlados, e como a patogênese não é esclarecida, não há terapia específica e uniformemente eficaz. A abordagem terapêutica depende da extensão e profundidade da lesão, da presença de doenças sistêmicas associadas e da imunidade do paciente. O objetivo é reduzir o processo inflamatório e a dor, com os mínimos efeitos colaterais [3, 6].

Nas formas mais leves e nas não associadas à doença sistêmica, o tratamento pode ser realizado com curativos, elevação do membro, corticosteróide tópico ou intralesional. Outros agentes de uso local também são relatados como: tacrolimus, peróxido de benzoíla, cromoglicato dissódico e nicotina [6].

Para pacientes com doença generalizada ou curso progressivo, o tratamento sistêmico é mandatório. Antibióticos (como dapsona, clofazimina e minociclina) [6], corticoesteróides sistêmicos, imunossupressores e imunomoduladores são descritos [10]. Os corticoesteróides são amplamente utilizados na terapia inicial e, em altas doses, visam interromper o processo inflamatório e a rápida progressão da doença [2]. Em relação aos imunossupressores, a ciclosporina mostrou-se útil para os pacientes resistentes à terapia com corticosteróides ou que tiveram graves efeitos secundários, podendo-se obter cura em torno de 1-3 meses após o início do tratamento. Outras drogas imunossupressoras que podem ser utilizadas são: 6-mercaptopurina, azatioprina e metotrexato [6].

Atualmente, os medicamentos imunobiológicos também vêm sendo utilizados para o tratamento do PG, como o etanercept [17] e o infliximab [18], com bons resultados.

A cirurgia de enxerto de pele deve ser realizada com cautela, pois pode servir de gatilho para o PG. Qualquer procedimento deve ser feito em conjunto com tratamento imunossupressor e em pacientes com doença estável [2].

A terapêutica mais frequentemente prescrita a crianças com PG ainda é a corticoterapia sistêmica, que geralmente apresenta bons resultados [2, 3, 5].


Conclusão

O PG é uma doença rara em crianças, principalmente em lactentes. Antes de se chegar a este diagnóstico, deve-se realizar uma extensa investigação para exclusão de agentes infecciosos e vasculites como causa de úlceras em crianças. E, por fim, ressaltamos a importância do acompanhamento ambulatorial, mesmo após a resolução completa das lesões, pois em metade dos casos estes pacientes cursam com outras doenças associadas.

AGRADECIMENTOS: Aos patologistas Heloisa de Brida Tormena e Rodrigo Zanko pelas imagens histopatológicas cedidas.

References

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