Skip to main content
eScholarship
Open Access Publications from the University of California

Dermatology Online Journal

Dermatology Online Journal bannerUC Davis

Melanoníquia: A propósito de um caso de micotização ungueal simulando melanoma

Main Content

Melanoníquia: A propósito de um caso de micotização ungueal simulando melanoma
Lívia Martins Veloso de Carvalho1, Ignez Mendonça1, Jeferson Carvalhães de Oliveira2, Amanda Val1, Bruna Hering1, Carolina Stallone1, Patrícia Ary Jimenez1
Dermatology Online Journal 16 (3): 6

1. Serviço de Dermatologia – Fundação Técnico-Educacional Souza Marques – CERPU-Centro de Referência em Patologia Ungueal, Hospital Mário Kröeff. liviamvcarvalho@gmail.com
2. Laboratório de Micologia UFF – Universidade Federal Fluminense


Abstract

Introduction: Phialophora sp. dematiaceous fungus frequently isolated from soil and organic debris from animals and plants. There have been no reports of nail involvement caused by this fungus. We report the case of a 77-year-old male with blackish-brown pigmentation involving a single finger for one year. The identification of the fungus was determined by macromorphological and micromorphological study of the colony and we discuss the clinical, microbiological, differential diagnosis, and treatment. Comment: We describe the first case of nail infection caused by Phialophora sp.



Resumo

Melanoníquias raramente são causadas por fungos. Descrevemos o primeiro caso de infecção ungueal causada por Phialophora sp. em um homem branco, 77 anos, com pigmentação castanho-enegrecida em faixa, de um único dedo, há um ano. Apresentava doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) em uso de esteróides. A identificação do fungo foi determinada pelo estudo macromorfológico e micromorfológico da colônia isolada. Discute-se o diagnóstico clínico, microbiológico, diferencial e tratamento.


I. Introdução

O gênero Phialophora representa fungo da família Dematiacea, que vivem no solo e vegetais em decomposição, produzindo colônias filamentosas, que vão do verde-oliva ao preto. Os fungos dematiáceos podem causar inúmeras doenças cutâneas e subcutâneas em humanos e animais, principalmente em pacientes imunocomprometidos [1, 2, 3]. Entretanto, nenhum caso foi relatado de infecção por fungo de gênero Phialophora acometendo o aparelho ungueal. A importância do diagnóstico preciso deste tipo de onicomicose ou micotização ungueal está na exclusão do melanoma do aparelho ungueal, uma vez que, dois terços dos casos deste tipo de tumor iniciam com pigmentação marrom enegrecida na unha [4].


II. Relato de caso


Figura 1

Um homem branco de 77 anos, natural de Minas Gerais, residente no Rio de Janeiro, procurou serviço dermatológico com queixa de faixa longitudinal castanho-enegrecida em segundo quirodáctilo direito. O quadro iniciou-se há um ano e o paciente referia relação com trauma. Ao exame do dígito evidenciou-se melanoníquia longitudinal, irregular, ocupando metade da superfície da lâmina ungueal, onicólise lateral e distal, distrofia ungueal, além de discreta hiperpigmentação periungueal (Figura 1). À palpação observou-se ausência de linfonodomegalia. As hipóteses diagnósticas iniciais foram de melanoma ungueal e onicomicose. Aplicando a regra do ABCDEF (Quadro 1) para detecção clínica precoce do melanoma subungueal [5], cinco dos critérios estavam presentes, exceto história familial ou pessoal de melanoma. Por isso a forte suspeita para melanoma do aparelho ungueal.

O paciente foi submetido à biópsia incisional e análise micológica de fragmento ungueal.

Ao exame histopatológico a coloração especial PAS revelou esporos e hifas na lâmina ungueal.


Figura 2 Figura 3
Figura 4

Ao exame micológico direto, clarificado com hidróxido de sódio a 20 por cento, observou-se numerosas hifas septadas, irregulares, acastanhadas e célula meristemática (Figura 2). A cultura do material em ágar Sabouraud 2 por cento, em temperatura ambiente, evidenciou, na macroscopia, colônia filamentosa aveludada escura e reverso preto (Figura 3). A microscopia revelou hifas septadas, acastanhadas e frutificação do tipo fialofora (Figura 4). Os aspectos macro e microscópico foram compatíveis com Phialophora sp.

Prescreveu-se pulsos de Itraconazol 200 mg por dia durante sete dias mensais num período de 3 meses, além de Ciclopirox olamina 1 por cento solução tópica no dígito afetado. O paciente evoluiu com melhora clínica.


III. Discussão

Onicomicoses por fungos dematiáceo são incomuns. Estes organismos são caracterizados por apresentarem nos tecidos do hospedeiro, pigmentação castanho-amarelada de suas células e cultura de suas colônias castanho-enegrecida [6]. Então, devido a esta pigmentação natural de suas hifas septadas, podem simular melanoníquia causada por lesões melanocíticas como o melanoma do aparelho ungueal. Feohifomicose é o termo usado para designar infecções micóticas produzidas por um ou mais fungos demáceos [7]. Eles são saprófitas ubíquos da água, solo e vegetais, sendo mais comuns em climas tropicais e subtropicais [8]. Provocam infecções principalmente em pacientes imunocomprometidos, tais como transplantados renais e portadores de neoplasias [3, 9]. Os agentes mais relacionados às melanoníquias fúngicas são: Scytalidium dimidiatum, Fusarium sp, Wangiella dermatitidis, Exophiala dermatitidis, Scopulariopsis brevicaulis, Aspergillus niger, Alternaria sp, Penicillium sp, Acremonium sp; porém, já foi descrita como causada por dermatófitos (T. rubrum) e leveduras (Candida sp.) [10].

De muita importância para a classificação e a identificação dos fungos é o estudo das características morfológicas dos seus esporos, presença ou ausência de pigmentos brilhantes e/ou escuros.

A classificação dos hifomicetos do solo, pode ser feita de acordo com a ontogênese conidial, ficando os diferentes tipos de esporos distribuídos em 10 séries: Aleuriosporae, Annelosporae, Arthrosporae, Blastosporae, Botryoblastosporae, Arthrospoare com meristema, Blastosporae com meristema, Phialosporae, Porosporae e Sympodulosporae [11, 12, 13, 14].

Na série Annelosporae o primeiro esporo formado é produzido terminalmente na célula conidiogênica do conidióforo. A cada anelosporo desenvolvido há formação de uma escara em forma de anel, no ápice do conidióforo. Anelosporos isolados ou em curtas cadeias desenvolvem-se sucessivamente, de forma basipeta e, apicalmente, em conidióforos simples ou ramificados, os quais, após o desenvolvimento dos esporos, tornam-se anelados. Exemplos: Scopulariopsis e Exophiala.

Os fialosporos são produzidos em sequência basípeta no ápice da fiálide, podendo ou não apresentar colarete. Os fialosporos podem formar cadeias basípetas ou, então, estar dispostos em aglomerados envolvidos por substância mucilaginosa. Exemplos: Phialophora, Paecilomyces, Aspergilus, etc.

A classificação deste caso se baseou no crescimento da colônia moderadamente rápido, lanoso a cotonosa, cinza a quase preta, com reverso preto e, também, pela micromorfologia da colônia onde são observados conidióforos curtos e semelhantes a hifas. Fiálides cilíndricas ou em forma de frasco isoladas ou agrupadas ao longo da hifa em conidióforos demacióides. Não se observam anelídios na parte apical dos conidióforos, como no gênero Exophiala sp., caracterizando o fungo isolado no caso em questão no gênero Phialophora sp.

Phialophora spp. é um gênero da família Damatiacea que apresenta oito espécies conhecidas como patógenos oportunistas em humanos e animais. A frequência de infecção por este fungo tende a aumentar devido aos pacientes imunodeprimidos [1].

A infecção por fungos dematiáceos ocorre através de inoculação traumática da pele com material vegetal contaminado. Pode ser classificada em quatro formas clínicas: superficial, cutânea, subcutânea e sistêmica. Na categoria cutânea, inclui-se a onicomicose [15].

Numa pesquisa na base de dados Medline de 1997 à 2008 nenhuma referência bibliográfica foi encontrada de onicomicoses por espécies de Phialophora spp. Sendo, portanto, o primeiro caso descrito na literatura.

Muitos mecanismos podem ser responsáveis pela pigmentação ungueal na onicomicose. Neste caso a pigmentação melânica tem origem na célula fúngica, confundindo com melanoma. Outras causas também devem ser excluídas como: nevos, neoplasias (doença de Bowen, carcinoma espinocelular), medicamentos, traumas (hematoma), bactérias, vírus (HPV), hormônios (doença de Addison) ou constitucionais (lentigo, pigmentação racial, síndrome de Laugier-Hunziker) [7, 10].

A importância deste caso está no diagnóstico diferencial com causas de melanoníquia longitudinal, principalmente com o melanoma do aparelho ungueal. Este é um tipo raro de câncer, cujo prognóstico é sombrio, principalmente quando não suspeitado precocemente [16].

Referências

1. Hoog GS, Mayser P, Haase G, Horré R, Horrevorts AM: A new species, Phialophora europaea, causing superficial infections in humans. Mycoses 2000; 43:409-416. [PubMed]

2. Wakamatsu K, Takahata Y, Tokuhisa Y, Morita K, Muto M: Two cases of phaeohyphomycosis due to Exophiala jeanselmei. J Dermatol. 2008 Mar; 35(3):178-80. [PubMed]

3. Boisseau-Garsaud AM, Desbois N, Guillermin ML, Ossondo M, Gueho E, Cales-Quist D: Onychomycosis due to Exophiala jeanselmei. Dermatology 2002;204(2):150-2. [PubMed]

4. Parlak AH, Goksugur N, Karabay O: A case of melanonychia due to Candida albicans. Clinical dermatology 2006;31:398-400.[PubMed]

5. Levit EK, Kagen MH, Scher RK, Grossman M, Altman E: The ABC rule for clinical detection of subungual melanoma. J Am Acad Dermatol 2000; 42:269-74. [PubMed]

6. Martínez-González MC, Verea MM, Velasco D, Sacristán F, Del PJ, García SJ, Fonseca E: Three cases of cutaneous phaeohyphomycosis by Exophiala jeanselmei. Eur J Dermatol 2008 May-Jun; 18(3):313-6. [PubMed]

7. Ajello L, Georg LK, Steigbigel RT, Wang CJK: A case of phaeohyphomycosis caused by a new species of Phialophora. Mycology 1974;66: 490-498. [PubMed]

8. Brandt ME, Warnock DW: Epidemiology, clinical manifestations, and therapy of infections caused by dematiaceous fungi. J Chemother 2003 Nov; 15 Suppl 2:36-47. [PubMed]

9. Sarti HM, Vega-Memije ME, Domínguez-Cherit J, Arenas R: Longitudinal melanonychia secondary to chromoblastomycosis due to Fonsecaea pedrosoi. Int J Dermatol 2008 Jul; 47(7):764-5. [PubMed]

10. Lacaz CS, Pereira AD, Heins-Vaccari EM, Cuce LC, Benatti C, Nunes RS, et al: Onychomycosis caused by Scytalidium dimidiatum. Report of two cases: Review of the taxonomy of the synanamorph and anamorph forms of this coelomycete. Rev Inst Med Trop 1999; 41:318-23. [PubMed]

11. Hugghes, S.J. – Conidiophores, conidia and classification. Canad. J. Bot., 31: 577-659, 1953.

12. Barron, G.L. – The Genera of Hyphomycetes from Soil. Baltimore, Williams & Wilkins, 1971.

13. Lacaz, C.S. et al – Tratado de Micologia Médica. São Paulo: SAVIER, 2002.

14. Lacaz, C.S. et AL – Guia para identificação: fungos, actinomicetos, algas de interesse médico. São Paulo: SAVIER, 1998.

15. Mcginnis MR: Chromoblastomycosis and phaeohyphomycosis: New concepts, diagnosis, and mycology. J Am Acad Dermatol 1983 Jan; 8(1): 1-16. [PubMed]

16. Baran R. Dawber RPR: Diseases of the nail and their management. Oxford: Blackwell: 1994;63-802.

© 2010 Dermatology Online Journal